Pouco importam as notas na música, o que conta são as sensações produzidas por elas.
Era uma noite de sábado e ao longo de todo aquele dia houveram vários intervalos de chuva e sol, algo bem típico do mês de fevereiro aqui na região amazônica. Em Manaus, assim como ao longo das cidades de todo o Brasil, as noites de sábado são como um convite aos jovens para se encontrarem e celebrarem a sua juventude com dança, flertes e embriaguez, especialmente em fevereiro e especialmente ao longo das folias de carnaval.
Alguns podem dizer que esse comportamento juvenil, de nós seres humanos, é um legítimo elo ancestral, um comportamento típico na natureza, algo reproduzido nas mais variadas espécies selvagens e adaptado por nós aos tempos modernos. Naquela noite de sábado, contrariando o comportamento típico da nossa idade e de toda a euforia do carnaval, decidimos ir para as florestas de Manaus, nos embrenhamos mata adentro em um dos fragmentos florestais da cidade, às trilhas eram muito escuras, mas vez ou outra, por entre as folhas das copas das árvores, conseguíamos ver a lua cheia nos dando boas vindas lá do céu e iluminando de forma sutil o nosso caminho.
Continuávamos caminhando — o destino?… Bom, estávamos em um safári fotográfico e pretendíamos cruzar um fragmento florestal de uma ponta à outra, algo em torno de três quilômetros. ― Queríamos aventura, queríamos encontrar animais selvagens, descobrir os segredos escondidos pelo manto da noite nas florestas úmidas e escuras de Manaus ― foi aí que começou a chover, a evolução no terreno ficava mais difícil a cada passo, as luzes das lanternas refletiam nas gotículas de água em suspensão, dificultando a visualização do caminho.
Mal havíamos começado e já estávamos cansados, as nossas roupas estavam encharcadas e tínhamos noção de que dificilmente conseguiríamos ver algo que valesse o esforço daquela noite, afinal de contas, com aquela chuva, provavelmente, os bichos não sairiam das suas tocas, e se saíssem, com tanta umidade suspensa refletindo a luz das nossas lanternas, dificilmente os veríamos, se os víssemos, com os movimentos comprometidos pelas nossas roupas encharcadas, certamente não os alcançaríamos antes que fugissem. É claro que sabíamos de tudo isso, mas jamais nos entregaríamos, sendo assim, concluímos silenciosamente que poderíamos prosseguir com o percurso, então nós prosseguimos.
Logo após a chuva, paramos a beira de um pequeno igarapé para descansar e verificar os equipamentos de fotografia, ao parar por alguns instantes em silêncio, começamos a ouvir a sinfonia polirítmica da floresta. Por entre o som das gotas de água que escorriam das árvores mais altas, que por sua vez atingiam as folhas das árvores mais baixas e que por sua vez atingiam as folhas caída no chão da floresta, começava a surgir um coro ardente. Naquela noite de sábado, após a chuva, a lua cheia voltava a lançar seu brilho por entre as folhas, convidando os bichos para uma festa onde eles próprios seriam os bailarinos e os cantores, embriagados pelo convite da lua, iniciavam um flerte incansável, movidos pelo impulso de perpetuação das espécies.
Aquela noite foi incrível! O que parecia uma incursão totalmente improdutiva, converteu-se em um grande espetáculo! Ao desenrolar da noite, nós não concluímos o percurso programado, ficamos parados naquele igarapé observando todos os bichos que saiam para suas apresentações, ao fundo tínhamos os sons das gotas que caíam das árvores e das águas que corriam pelo igarapé, os ortópteros (grilos e esperanças), protagonizavam um show a parte, eram diversas espécies em um frenesi sonoro quase ensurdecedor. Os sapos, esses sim eram as verdadeiras estrelas da noite, pois além da vitaminada acústica produzida pelo coaxar das incontáveis espécies, ainda tivemos o enorme prazer de observá-los bem de perto em seu habitat natural e em cortejo de acasalamento.
Já quase na hora de voltar e após muitas fotografias, de repente dois pequenos faróis surgem entre as árvores, era um besouro bioluminescente da família dos Elateridae, naquele instante uma ideia se acendeu em nossas cabeças, apagamos as lanternas e depois de alguns segundos os nossos olhos começam a se adaptar à escuridão, e naquele chão molhado, alguns pontos de luz começaram a surgir, eram às larvas bioluminescentes se alimentando nos troncos, nas folhas caídas e nos cupinzeiros. ― não é só no cerrado que esse fenômeno acontece ― Depois de mais alguns cliques, arrumamos as coisas e voltamos pra casa com uma grande sensação de que fomos escolhidos para um concerto particular de um grande espetáculo.
É bem verdade que as coisas não saíram como o esperado, esperávamos ver alguns pequenos mamíferos, marsupiais, talvez tamanduás, queríamos encontrar serpentes, jacarés, quem sabe uma cena de predação. A verdade é que não vimos nada disso, mas tivemos a oportunidade de presenciar um espetáculo ainda mais bonito do que poderíamos prever, cenas que talvez até sejam comuns nos interiores dessas florestas e que só não presenciamos antes por sempre sairmos nos dias de céu limpo e tempo firme. Naquele sábado de fevereiro a imprevisibilidade amazônica nos escolheu para um belo desfile de carnaval.