Visita ao Parque do Mindú

Texto escrito no dia 30 de dezembro de 2018. É provável que algumas coisas tenham mudado nesse período, mas apesar disso, espero que seja útil, mesmo que apenas para uma simples comparação com o presente. 

O Parque do Mindú é uma área de proteção ambiental do Amazonas, é uma pequena ilha de mata amazônica cercada por uma grande floresta de concreto e asfalto chamada Manaus. Recebeu esse esse nome em homenagem ao igarapé do Mindú que atravessa toda a área do parque, esse igarapé também é o maior corpo d’água urbano de Manaus e percorre a cidade de uma ponta a outra.

Conheci o Mindú há vários anos, fiz a minha primeira visita quando tinha quatorze anos e infelizmente nunca o vi saudável, as histórias que contam é de que era um igarapé de águas límpidas, com belas corredeiras e cachoeiras, onde todos podiam se divertir e onde a natureza era presente e vibrante, como em toda a Amazônia. Nas águas viviam vários peixes, jacarés e tartarugas, nas margens haviam muitas frutas pássaros e macacos, nos dias quente era a grande atração entre as pessoas e os bichos. Infelizmente, no momento presente (nos nossos dias), esse longo igarapé é uma grande lembrança do quão distorcidos os nossos valores podem se tornar ao longo do tempo.

Contudo, hoje a minha visita ao parque teve um motivo especial, há bastante tempo venho fotografando a natureza que ainda resiste por lá, a minha última visita foi a três anos e na época eu tentava descobrir e fotografar o que de raro ainda se escondia por aquelas trilhas, como estamos no fim do ano, decidi reviver os velhos tempos e ir ver o velho parque pra saber o que mudou. Nesse meio tempo soube de vários projetos que foram pensados para ajudar na preservação do Mindú, inclusive o de reconectar as áreas verdes da cidade para ajudar na conservação do Sauim-de-coleira, símbolo do parque. Fui na esperança de ver um lugar renovado, a final, três anos se passaram e muito já se discutia sobre as questões do esgoto e do lixo sólido que se acumulava nas margens do Mindú e dentro do parque, o esgoto tinha origem na falta de saneamento básico dos bairros de entorno e o lixo sólido chegava flutuando pelo igarapé, fruto do descarte irresponsável feito pela população rio acima.

A verdade é que essa visita foi marcada pela sensação de dualidade: de um lado a natureza vibrante, dinâmica e intensa, como deve ser, do outro lado um ambiente quase estéril de vida animal, onde alguns urubus e jacarés mantinham-se como as últimas sentinelas da resistência, compartilhando o habitat com incontáveis garrafas de plástico, um rio enegrecido pelo chorume do esgoto e a podridão dos cadáveres dos animais (domésticos e selvagens) que não resistiram a esse grande ponto de tensão provocado pela sociedade manauara moderna.

É bem verdade que de uns anos para cá algumas coisas melhoraram muito, lembro que em 2015, nas minhas últimas visitas, estavam começando a recuperar um dos pequenos igarapé que nascem dentro do parque, seu leito havia sido completamente assoreado, há anos que só se via o rastro deixado por ele, até mesmo a nascente parecia não ter mais água. Mas eles conseguiram, revitalizaram a nascente e todo o curso do igarapé, hoje tive a enorme felicidade de vê-lo completamente recuperado, com pequenos peixes nadando em seu leito, uma cotia bebendo água e até um bebê jacaré-coroa repousando as margem. As trilhas estavam bem limpas e com lixeiras presentes em vários pontos. Além disso, vários eventos passaram a ser realizados dentro do parque com o objetivo de sensibilizar e engajar a população na conservação da natureza, partindo da premissa básica de que nós só damos valor ao que de fato conhecemos.

Jacaré coroa

Observando a primeira parte do parque, nem poderíamos imaginar o que encontraríamos na descida em direção ao grande igarapé do Mindu. O outro lado da moeda já começa a dar as caras com as trilhas suspensas completamente em ruínas, portanto, interditadas, de lá também era possível sentir um cheiro pútrido, anunciando o que estava por vir, em seguida chegamos às margens do Mindu, uma verdadeira catástrofe. Há muitos anos a realidade perturbadora daquelas margens, sufocando no lixo e no esgoto, são as mesmas, e mesmo já tendo visto inúmeras vezes, o sentimento de luto e revolta permanecem iguais.

Entretanto, apesar do parque do Mindu viver dividido entre dois extremos, é bem possível enxergá-lo como uma grande aula prática de educação ambiental, ele nos mostra como temos sorte quando podemos estar em comunhão com a natureza, sentir os aromas da floresta, ouvir os sons dos animais e caminhar entre as árvores. Por outro lado, ele também nos mostra o caminho sombrio de destruição que estamos seguindo, envenenando às nossas águas, contaminando os nossos alimentos e expulsando os nossos animais.

Por maior que sejam os esforços, por melhor que sejam as intenções, se somente uma pequena fração das pessoas conseguirem enxergar o valor em todos os benefícios que a natureza nos dá, permaneceremos falhando, sufocando nossas vidas no próprio lixo e esgoto que produzimos.

Um novo ano começa e há quem diga que um novo ciclo também, espero que esse novo ciclo seja um ciclo de empatia com a natureza, precisamos rever os nossos hábitos de consumo imediatamente, por onde se anda é possível encontrar rastro de lixo, o plástico descartável é o resíduo mais encontrado em praias e rios de todo o mundo, precisamos dizer não às coisas que não podemos reutilizar ou reciclar, precisamos ter responsabilidade na hora de comprar, usar e descartar qualquer coisa, são as nossas vidas e a dos nossos filhos sendo apostadas no momento em que nos recusamos a pensar sobre essas questões, precisamos cobrar uma gestão responsável de nossas prefeituras, todas as cidades precisam de saneamento básico, a falta disso afeta a todos nós. Por fim, precisamos nos envolver em ações de preservação da natureza, fazer a nossa parte, orientar os que carecem de direção e dar o exemplo! Precisamos de clareza sobre o que realmente importa, tendo em mente que não existe um futuro se não pudermos beber a água do rio e/ou se as árvores não estiverem mais em pé